Nacional

Pesquisa descreve barreiras para acesso de pessoas trans ao emprego

Publicado

em

O caminho de uma pessoa trans para se estabelecer como profissional é atravessado pela transfobia da escola à permanência em um emprego, revela pesquisa divulgada nesta semana, no Rio de Janeiro, pelo Grupo Pela Vidda, que entrevistou homens e mulheres transexuais.

Com amigos, professores e familiares como principais agressores durante a formação, e direitos básicos como o uso de banheiro adequado frequentemente desrespeitados no ambiente de trabalho, metade dos entrevistados relatou conviver com depressão e 60% dizem já ter pensado em suicídio. 

A pesquisa foi realizada pelo projeto TransVida, do Grupo pela Vidda, com apoio do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e condução do antropólogo e ativista Fabrício Longo. O relatório final alerta que a transfobia reduz as possibilidades de acesso e de sobrevivência das pessoas trans, e a coordenadora do TransVida, Maria Eduarda Aguiar, defende que essa forma de preconceito impede que uma parte da população brasileira desenvolva sua força de trabalho e talentos profissionais.

“Temos um número grande de pessoas no nosso país que estão sendo impedidas de produzir e de trabalhar. E não é porque não sejam capazes. É por conta de discriminação”, disse ela.   

Preconceito

O relatório da pesquisa ressaltou que, além de combater o preconceito, é preciso educar os empregadores sobre a necessidade de contratar essas pessoas e, no caso dos profissionais de recursos humanos, sobre as particularidades dessa população que precisam ser consideradas no processo de contratação e após a admissão.

“É preciso, também, garantir que os outros funcionários da empresa entendam essas vulnerabilidades e criem um ambiente saudável para o cotidiano de trabalho”, afirmou o texto. 

O estudo contou com um questionário online e também foram realizadas entrevistas presenciais. Para chegar à população vulnerabilizada, a equipe responsável pela pesquisa esteve nas casas de acolhimento da população trans, como a CasaNem e o Casarão Sementes de Luana Muniz, além de ter promovido mutirões de retificação de nome e gênero e convidado os participantes a responderem à pesquisa. Ao todo, foram colhidas 147 respostas, sendo a maior parte dos participantes mulheres trans (42,9%), de cor/raça preta (31,3%) e com 19 a 29 anos de idade (55,1%).

Apenas 15% dos participantes da pesquisa relataram ter um trabalho com carteira assinada, enquanto 15,6% têm trabalho autônomo formal e 27,2%, trabalho autônomo informal. Considerado último recurso de sobrevivência da população trans em muitos casos, a prostituição era a atividade remunerada de 14,3% dos entrevistados.

Educação

O questionário permitia que os entrevistados marcassem todas as violências e discriminações sofridas durante a formação, e apenas um em cada quatro afirmou nunca ter sofrido discriminação, enquanto 36,7% disseram ter sido vítimas de transfobia; 34%, de homofobia; e 10,9%, de racismo.

As formas de violência mais comuns foram o desrespeito ao nome social (27,9%), a tortura psicológica (21,1%) e a proibição do uso de banheiro adequado ao seu gênero (20,4%). A violência física foi relatada por 15,6% dos entrevistados e 16,3% sofreram assédio sexual ou estupro. 

Os responsáveis por essas agressões durante o período de formação foram principalmente pessoas próximas: amigos ou conhecidos (38,4%); professores, coordenadores e diretores escolares (32,9%); pais, mães e irmãos (30,8%); e outros membros da família (23,3%).  

Enquanto 15% decidiram denunciar essas agressões à escola ou a autoridades, 29,9% preferiram não dizer nada e 10,2% abandonaram os estudos após episódios de violência. 

“A questão da violência familiar ainda é um grande problema. Investir em casas de acolhimento seria uma estratégia imediata. E investir no combate à transfobia nas escolas. É uma coisa que o nosso país não enfrentou. Não posso ter uma pessoa trans estudando em uma escola em que ela não pode ir ao banheiro”, disse Maria Eduarda. 

Segundo a pesquisa, 49% dos entrevistados conseguiram concluir o ensino médio, mas menos da metade desse contingente (21,1%) foi em frente e concluiu uma graduação.

A coordenadora do programa TransVida ressaltou que esse número é preocupante quando comparado com a resposta das empresas ouvidas pela pesquisa, já que 96,2% exigem ensino médio completo para contratação.

“O que fica bem claro é que a transfobia no começo da vida, no próprio ambiente escolar, acaba impedindo muita das vezes que essas pessoas possam terminar seus estudos. Então, você tem um número grande de pessoas trans que não conseguiram completar o ensino médio”. 

Emprego

As perguntas voltadas ao mercado de trabalho mostram um pouco sobre as dificuldades das pessoas trans em suas experiências profissionais. Mais da metade (52,7%) dos entrevistados afirma que é o único trabalhador transexual da empresa, e 25,9% dizem que há entre duas e dez pessoas trans entre os funcionários. 

Quase a metade das pessoas trans empregadas (48%) conseguiu o posto por meio da indicação de amigos ou conhecidos. Maria Eduarda Aguiar acrescentou que muitos casos são de pessoas que foram indicadas por organizações não governamentais ou de reservas de vagas específicas para pessoas trans. Apesar desse quadro reforçar a importância dessas iniciativas, ele também mostra a dificuldade que essas pessoas têm de obter uma vaga de trabalho por conta própria.

“A gente ainda tem a problemática da pessoa trans não conseguir se candidatar a uma vaga sem precisar de uma vaga específica para ela”, afirma. “A gente entende que precisa investir em sensibilização nas empresas, porque não adianta ela entrar e sofrer transfobia”, explicou.

O questionário pediu que os entrevistados marcassem todas as formas de discriminação ou violência que sofreram ou testemunharam no trabalho, e 27,6% apontaram a própria transfobia; 14,2%, o racismo; e 9%, a homofobia. O desrespeito ao nome social foi relatado por 16,4% desses trabalhadores e trabalhadoras, e 6% já foram impedidos de usar o banheiro correto. 

Saúde mental

Tantas dificuldades e agressões ao longo da vida prejudicam não apenas a inserção da população trans no mercado de trabalho, mas sua saúde mental, destacou Maria Eduarda. As entrevistas mostram que três em cada quatro participantes precisaram de apoio psicológico profissional e 60,5% já tiveram pensamentos suicidas. 

“As questões de violência e de saúde mental vão fazendo com que a pessoa tenha uma piora na qualidade de vida e também baixa autoestima, sem um sentimento de futuro, vivendo o dia de hoje sem saber se haverá um amanhã”, disse Maria Eduarda. 

Além dos dados estatísticos sobre os entrevistados, os pesquisadores também reuniram depoimentos com a vivência dos participantes. Um deles é Pablo Henrique Sant, homem trans de 28 anos, que narrou já ter enfrentado situações de violência psicológica no ambiente de trabalho.

“Eu trabalhei numa empresa de atendimento hospitalar que exigia o uso de crachá com o nome, eu tive que fazer outro crachá com o meu nome social e tinha que andar me escondendo porque, se eles pegassem, diziam que eu tinha que usar o do nome do registro”, contou ele, que muitas vezes encontrou barreiras já na seleção. “Quando chegava na última parte do processo – eu posso lembrar aqui por alto pelo menos umas quatro empresas – eles diziam que não sabiam lidar com isso, que não é preconceito, mas que ia dar problema”, recordou.

A travesti Wescla Vasconcelos, mestra em cultura e territorialidade pela Universidade Federal Fluminense, afirmou que se descobriu trans muito cedo, aos 11 anos, e enfrentou muitas situações que a magoaram durante sua formação.

“Sempre duvidam que a gente seja capaz de construir uma carreira, de construir um futuro, uma profissão. Então, na escola pública eu enfrentei muita discriminação, muita, tanto do nome social, uso do banheiro, xingamentos, violência física e verbal. Eu não conseguia nenhuma colocação profissional que me valorizasse realmente, todas as oportunidades de estágio e de cursos, alguns trabalhos informais que eu tive na pedagogia, foram atravessados por muita discriminação”, finalizou.

Edição: Kleber Sampaio

Fonte: EBC Geral

Comentários do Facebook
Continue lendo
Propaganda
Clique para comentar

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Nacional

Lula segue para o Rio Grande do Sul, acompanhado de ministros e líderes dos poderes Legislativo e Judiciário

Publicados

em

Estado registra 329 municípios atingidos e 686.482 pessoas afetadas. A frente fria tem previsão de altos volumes de chuva para o norte do Rio Grande do Sul, todo o estado de Santa Catarina e sul do Paraná

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, seguiu para o Rio Grande do Sul na manhã deste domingo, 5 de maio, acompanhado por uma comitiva de ministros e líderes dos poderes Legislativo e Judiciário. O grupo se une aos ministros Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação Social) e Waldez Góes (Integração e Desenvolvimento Regional), que já estão no estado e acompanham de perto as ações de socorro e assistência do Governo Federal à população gaúcha.

Embarcaram com o presidente a primeira-dama, Janja Lula, e os ministros Rui Costa (Casa Civil), José Mucio (Defesa), Fernando Haddad (Fazenda), Renan Filho (Transportes), Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos), Camilo Santana (Educação), Nísia Trindade (Saúde), Luiz Marinho (Trabalho e Emprego), Wellington Dias (Desenvolvimento Social e Combate à Fome), Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima), Jader Filho (Cidades), Márcio Macêdo (Secretaria-Geral) e Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais). Também seguem para o Rio Grande do Sul os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, os ministros Edson Fachin (STF) e Bruno Dantas (presidente do Tribunal de Contas da União), além do comandante do Exército Brasileiro, general Tomás Paiva.

Neste domingo, durante o Regina Caeli (uma das peças da liturgia católica, denominadas “antífonas marianas”), o Papa Francisco manifestou solidariedade e dirigiu suas orações aos povos dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, afetados pelas fortes chuvas e enchentes.

Atualizações nas ações de socorro e assistência ao Rio Grande do Sul

Ministério da Defesa
Resgate de pessoas isoladas em Lajeado, Encantado, Taquari, Estrela, Nova Santa Rita, Montenegro, Sinimbu, Canoas, Bento Gonçalves, Campo Bom e São Sebastião do Caí. Em São Gabriel, Bagé, Alegrete e Cristal, também foram realizadas operações de apoio à reestruturação de imóveis destruídos e realocação de pessoas desabrigadas. Em Candelária e São Valentim do Sul, o contingente ainda realizou a desobstrução de vias. Em Restinga Seca, atuaram para o lançamento de uma ponte e restituição dos acessos. Em Porto Alegre e Cachoeira do Sul, atuaram no apoio à organização e distribuição de doações e aos abrigos de desabrigados. Foram realizados 9.749 resgates nos últimos dias, sendo 402 aéreos, 2.340 fluviais e 7.007 terrestres – 69 pessoas demandaram um trabalho de evacuação aeromédica. São 647 militares das Forças Armadas envolvidos nas operações, sendo 426 do Exército, 155 da Marinha e 66 da Força Aérea.

Força Aérea Brasileira (FAB)
Nesta madrugada, a aeronave KC-390 Millennium transportou mais de 18 toneladas de materiais do Grupamento de Apoio Logístico de Campanha (GALC). Decolou da Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro (RJ) com destino à Base Aérea de Canoas, transportando geradores, banheiros químicos, barracas operacionais, colchões, materiais de apoio elétrico e hidráulico que vão prover suporte de alimentação, alojamento, higienização (banho e sanitários) e manutenção da assistência à população gaúcha. Além de toda a carga, a aeronave ainda transportou 14 militares do GALC, que farão a montagem de toda a estrutura em Canoas. A atuação desse efetivo tem a finalidade de apoiar logisticamente as operações na calamidade pública.

Polícia Rodoviária Federal (PRF)
No balanço da manhã, a PRF apontou a previsão de reforço de 75 agentes no efetivo envolvido nas operações. Até o momento, estão destacados 99. A força relatou extrema dificuldade de movimentação do efetivo em razão dos pontos bloqueados. Estão empregadas na operação 20 viaturas e três aeronaves. Cento e cinquenta resgates terrestres já foram realizados e 54 pessoas (e três animais) demandaram resgate aéreo.

BALANÇO — De acordo com a última atualização do governo estadual, são 329 municípios atingidos e já são 686.482 pessoas afetadas. O estado contabiliza 79.253 desalojadas e outras 14.447 pessoas em abrigos, com 72 mortes, 150 feridos e 103 desaparecidas.

PREVISÃO DO TEMPO — De acordo com os órgãos de monitoramento e previsão hidrometeorológica — Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Serviço Geológico do Brasil (SGB) e Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) — a frente fria tem previsão de altos volumes de chuva para o norte do Rio Grande do Sul, todo o estado de Santa Catarina e sul do Paraná.

Comentários do Facebook
Continue lendo

MAIS LIDAS DA SEMANA