Saúde

Hermógenes, 100 anos: pioneiro da ioga mudou a vida após tuberculose

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A vida virou de ponta-cabeça. Literalmente. O então capitão do Exército José Hermógenes de Andrade Filho, de 35 anos de idade, surpreendeu a família quando passou a fazer exercícios “desconhecidos”. Era flagrado com a cabeça no chão e os pés para o alto no banheiro de casa, onde “se escondia” em busca de concentração. Mal sabia a família que aquela era apenas uma das transformações que o homem passaria a apresentar. Até chegar àquela prática, ele buscava, na verdade, uma solução para um sofrimento. A novidade faria com que ele não fosse conhecido no futuro apenas como docente de história e filosofia do Colégio Militar, mas como o professor e precursor da ioga no país. 

Pioneiro da yoga no Brasil, professor HermógenesPioneiro da yoga no Brasil, professor Hermógenes

Professor Hermógenes entendia que a prática envolvia o equilíbrio de corpo, mente e espírito. Foto: Instituto Hermógenes/Direitos reservados

“Eu era muito menina e lembro que ele se escondia no banheiro para que a minha mãe não pensasse que ele estava ficando maluco. Ele olhava para mim e falava, ‘fique tranquila porque eu estou ficando bom. O ioga vai me deixar bom. Vou me curar'”, recorda a filha de Hermógenes, a pedagoga Ana Lúcia Leão.  

A novidade de ficar de cabeça para baixo foi uma alternativa descoberta ao acaso para um problema de saúde que o assustou. Em meio às dores, Hermógenes, depois de percorrer consultórios médicos atrás de alguma explicação para a dificuldade de respiração que sentia, recebeu a notícia, em 1956, que estava com tuberculose. A história dele começou a mudar quando ele descobriu, no centro do Rio de Janeiro, dois livros estrangeiros (um em inglês e outro em francês) sobre uma então desconhecida prática que falava sobre saúde e respiração.

Integração

O primeiro divulgador da ioga entendeu que tinha se encontrado de corpo e alma, como revelam seus descendentes. Hermógenes, que nasceu na cidade de Natal, em 9 de março de 1921 (há um século), foi estudar no Rio de Janeiro aos 20 anos, e morreu em 13 de março de 2015.  Durante toda a vida, fazia questão de participar de eventos para falar sobre a reviravolta em sua vida. Publicou mais de 30 livros sobre o tema. Não tinha viés religioso, mas uma filosofia prática de vida. Chamada de hatha yoga, a vertente que ele abraçava pregava a melhora do corpo físico para aperfeiçoar a consciência.

“É muito importante mantermos esse legado e a memória dele vivos. Ele deixou, por exemplo, o Instituto Hermógenes, que disponibiliza estrutura para a prática. A ioga é uma ciência milenar que visa à integração de corpo, mente e espírito, com práticas corporais e mentais – como a meditação, que faz parte de toda a filosofia do ioga. Ioga significa união e integração. Ele falava que essa prática é para todos nós. A ioga não é para quem pode, e sim para quem precisa. E todos nós precisamos. Visa à melhora da qualidade de vida e não tem pré-requisitos para que se pratique. É uma prática que visa viver melhor o tempo presente”, afirma o neto, Paulo Raphael Bitencourt, que é professor de história e de ioga no Rio de Janeiro. “Há um grande benefício da saúde física com a prática regular. Promove também um contato maior com nossos pensamentos e, assim, nos conhecermos.”

Pioneiro da yoga no Brasil, professor HermógenesPioneiro da yoga no Brasil, professor Hermógenes

Pioneiro da ioga no Brasil valorizava a integração entre a atividade física e a filosófica. Foto: Instituto Hermógenes/Direitos reservados

 

Tempo

O neto de Hermógenes entende que a pandemia é um contexto de afastamento dos outros e de nós mesmos. “A obra dele é muito atual. Há um livro dele, por exemplo, chamada Yoga para Nervosos. A prática ajuda a nos organizarmos, tranquilizarmos. [Ajuda em] questões relacionadas a distúrbios como insônia e entendemos que a prática pode nos trazer bem-estar. O ioga traz esperança de dias melhores”. O neto entende que iniciantes podem começar a prática com o tempo que tiver disponível e pode ser feita dentro de casa.  

Paulo Raphael explica que é necessário praticar ioga 24 horas, com postura responsável no dia a dia. “Precisamos estar sempre evoluindo e aprendendo cada vez mais. Ele dizia assim: ‘Faça ioga para ser melhor para os outros e não para ser melhor do que os outros’. Servir melhor à sociedade, com mais equilíbrio. A mensagem dele é muito atual e podia ser mais aplicada a momentos duros como o que estamos passando. Tem quatro palavras que ele sempre repetia que são: entrego, confio, aceito e agradeço. Era como um mantra na vida deles.”

Pioneiro da yoga no Brasil, professor HermógenesPioneiro da yoga no Brasil, professor Hermógenes

Respeito ao próximo e serenidade faziam parte da rotina, segundo os familiares. Foto: Instituto Hermógenes/Direitos reservados

Para a pedagoga Ana Lúcia Leão, filha de Hermógenes e mãe de Paulo Raphael, a serenidade do pioneiro foi um aprendizado de vida para a família. “Ele mantinha um bom humor sempre. A vida dele era leve, e, ao mesmo tempo, profunda. Fazer ioga não é só colocar a cabeça para baixo”.  Ana Lúcia Leão recorda ainda que o pai, diante da necessidade de espalhar a novidade, passou a trabalhar bastante de madrugada para escrever livros, além da preparação das aulas que ele desenvolvia no Colégio Militar, no Rio de Janeiro, por 25 anos. “De madrugada, ouvíamos o barulho da máquina de escrever. Quando ele faleceu, nós desfizemos o apartamento que ele morava e encontramos um enorme material. Ele deixou tamanho legado que há grupos de estudos em Portugal, com direito à estátua dele em Lisboa.”

No Colégio Militar, ele desenvolveu pedagogia instigando os alunos com perguntas, com obras que ele mesmo elaborava e até histórias em quadrinhos. “Ele trazia o aluno para dentro da situação e tinha concepções diferenciadas, como as de Paulo Freire. E ele já trabalhava valorizando o saber do aluno na década de 1950”. O neto Paulo Raphael, que é historiador, pretende escrever biografia sobre o avô pioneiro em parceria com o irmão, Thiago Leão.

A vida intensa do avô fez com que ele percorresse diferentes países e elaborasse estudos até hoje não publicados. No mestrado, Paulo Raphael pesquisou a atividade acadêmica do professor Hermógenes no Colégio Militar, focado na metodologia “a pergunta que ensina”, que preparava o aluno para a aprendizagem da história. Hermógenes trabalhou no Colégio Militar até a aposentadoria, quando foi para reserva como tenente-coronel. “Ele teve uma vida de mais de 30 anos como militar. Como professor, ele também deu aula sobre ioga e filosofia oriental para os alunos da instituição mantida pelo Exército”.

Fora do colégio, Hermógenes influenciou também pessoas como Palmerim Soares, que o conheceu com apenas 18 anos de idade. “Foi uma mudança completa na minha vida, com alteração de alimentação e também de comportamento diante da vida”. Quarenta anos depois, o hoje experiente professor de matemática, que também ensinou ioga, explica que a valorização das atividades físicas é parte desse processo. Ele garante que raramente fica doente, em função da preservação do sistema imunológico. “Alimentação e atividade física equilibradas” são caminhos que o professor cita. Ele explica que o caminho para esse autoconhecimento tem relação com a serenidade. “Quando o lago está agitado, não se vê o fundo”, compara.

Na telona

A vida diferente do pioneiro foi, há cinco anos, tema do documentário Hermógenes, Professor e Poeta do Yoga, dirigido por Bárbara TavaresComo praticante e admiradora da prática, a cineasta, em parceria com o diretor de fotografia Frandu Almeida, traduziu em imagens o que nem sempre as palavras conseguem explicar. “Como cineasta e documentarista, sempre pensei que eu gostaria de passar um pouco do que é a vivência do que sinto quando faço uma aula de ioga, de transformação interna.”

Os realizadores, que hoje moram na cidade do Porto, em Portugal, percorreram os caminhos de Hermógenes durante três anos, com filmagens realizadas em lugares como São Paulo, Salvador e na Índia, e chegaram a ter contato com o mestre da ioga pouco antes de ele morrer. “O professor Hermógenes é uma referência na ioga há anos, uma figura que é muito conhecida não só dentro da ioga, mas dentro da terapia holística também. E não havia nenhum filme de cinema sobre ele. Na época, existia um filme que foi feito para a televisão”, lembra. 

Assista abaixo ao trailer do filme:

Bárbara Tavares entrevistou uma série de famosos (como o ator Jackson Antunes, a Monja Coen e o músico Marcelo Yuka) e anônimos que testemunham os benefícios da prática na vida deles. “Esse filme foi uma experiência incrível, em que conseguimos concluir graças ao financiamento coletivo”, conta. O lançamento foi no Cine Odeon, alugado pelos próprios realizadores, e o interesse pela vida de Hermógenes foi tamanho que os ingressos foram esgotados dias antes da exibição lotada. O sucesso fez com que o filme entrasse em cartaz na tradicional sala de cinema, com sessões sempre cheias, e despertasse o interesse de uma distribuidora, que o levou para o circuito nacional. É possível assistir ao filme nas plataformas Google Play, Amazon Prime, ITunes, Looke e Filmin

Assista à edição do Sem Censura, da TV Brasil, de 2016, que destacou o documentário sobre o professor Hermógenes

Edição: Nathália Mendes

Fonte: EBC Saúde

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Saúde

Saúde estadual alerta: vacinas evitam internações e mortes

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Secretaria de Saúde relata aumento de internações e mortes por dengue e influenza, principalmente entre idosos e crianças

Doenças como dengue e influenza em Goiás têm provocado aumento de diagnósticos e internações, com mais mortes. Desde o início do ano, já foram registrados mais de 150 óbitos por dengue. Já a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag) resultou em 179 óbitos, principalmente entre crianças menores de 2 anos (16 mortes), e idosos com 60 anos. Dentre as principais causas, pode estar a baixa cobertura vacinal para dengue e Influenza.

A grande preocupação da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO), no momento, é com a alteração da sazonalidade da dengue e doenças respiratórias, como a influenza, com as mudanças climáticas, que já começam neste mês. Segundo a superintendente de Vigilância em Saúde, Flúvia Amorim, o histórico de Srag mostra aumento de casos neste período, quando começam as inversões térmicas. “É nesta época que começam a circular os vírus respiratórios, de forma mais intensa”, explica.

Flúvia Amorim chama a atenção, principalmente, para os extremos das faixas etárias, que são crianças e idosos, as principais vítimas de doenças respiratórias. “Para essas pessoas, o quadro pode ser muito grave. Por isso, não deixem de se vacinar”, orienta. “Se você faz parte de algum dos grupos prioritários, procure rapidamente o posto de vacinação”, continua Flúvia, para lembrar que, embora haja vacina disponível contra a influenza em todos os postos de vacinação dos 246 municípios, apenas 20,82% do público-alvo (grupos prioritários) buscaram o imunizante. Já em relação a Covid-19, a cobertura vacinal está em 20,82%. “A vacina demora dez dias para fazer efeito. Então, quanto mais rápido se vacinar, mais rápido a pessoa estará protegida”, avisa.

A Superintendente de Regulação, Controle e Avaliação da SES, Amanda Limongi, também reforça a importância da vacinação. “É o meio mais eficaz de prevenir internações, tanto de dengue quanto de Síndromes Respiratórias Agudas Graves”, afirma, ao confirmar que o “encontro” de casos de dengue e doenças respiratórias tem demandado mais internações em Goiás.

Ela faz um apelo também à população dos municípios que ainda dispõem de vacinas contra a dengue. “Dos 246 municípios goianos, 155 ‘zeraram’ seus estoques, mas ainda faltam 10 mil doses a serem aplicadas”, explica. A superintendente se refere ao restante das 158,5 mil doses recebidas do Ministério da Saúde e que vão vencer em 30 de abril, mesmo com a ampliação da idade para pessoas de 4 a 59 anos. Essa ampliação vale apenas para esses lotes do imunizante. Para a próxima, já está definido o retorno das idades de 10 a 14 anos, para o público-alvo.

Fotos: Iron Braz / Secretaria de Estado da Saúde – Governo de Goiás

 

 

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