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Democracia e o mínimo civilizatório no Dia do Conselheiro Tutelar

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O tempo da democracia brasileira é o tempo dos direitos das crianças e adolescentes.

No dia nacional de mobilização para valorização do conselheiro e conselheira tutelar, estabelecido pela Lei nº 11.622, de 19 de dezembro de 2007, cabe-nos resgatarmos que, desde o início do processo de redemocratização do Brasil, enquanto país e nação, tivemos uma evolução normativa capaz de nos conduzirmos a assertiva que a democracia social e jurídica que chegou para nossas crianças e adolescente é resultado do sopro democrático que tomou as nossas estruturas enquanto Estado de Direito.

Isso pode ser exemplificado pelo conjunto normativo constituído pela nossa Constituição de 1988, pela Convenção dos Direitos da Criança da ONU- Organização das Nações Unidas e pelo próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90.

Nesta onda jurídica institucional no Brasil, tivemos a ruptura do marco doutrinário da situação irregular, no qual a política nacional se baseava na concentração de poderes na figura do Estado- Juiz, sob as vestes do chamado Juiz de Menores.

Referida política sob a narrativa da tutela, instituiu no Brasil, desde o Código de Menores de Melo Mattos de 1927, passando pelo Código de Menores de 1979 até o Estatuto da Criança e do Adolescente, uma verdadeira ação de controle social punitivo da pobreza, fazendo a situação irregular uma condição aparente básica  para as clausuras e rupturas dos vínculos familiares.

Com a Constituição de 1988, propriamente no artigo 227, tivemos a orientação do Estado quanto a nova política de proteção, sob vários aspectos legais e institucionais.

Introduziu-se a proteção integral, fundamento dos direitos humanos, no lugar da doutrina da situação irregular.

Elevou-se o status social da criança e do adolescente a condição de prioridade absoluta frente a um conjunto de situações e demandas, inclusive orçamentária.

Promoveu-se a ruptura do Estado Juiz menorista para convocar a família, a sociedade e o poder público de forma geral para atuar na proteção integral de crianças e adolescentes.

Um sopro da democracia contra a criminalização da pobreza  no país!

É neste cenário que surge uma figura institucional, um ator social com a capacidade revolucionária de promover um novo conceito de proteção: a comunitária!

Carlos Nicodemos é militante na área dos direitos humanos

Carlos Nicodemos é militante na área dos direitos humanos

Quando o constituinte consolidou no artigo 227 que: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, oportunizou a sociedade em cumprir sua tarefa institucional no Estado brasileiro quanto a proteção integral de nossas crianças e adolescentes.

Para esta missão, não só a Constituição de 1988, mas também o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90, instituiu o Conselho Tutelar como preposto, legítimo e legal representante da sociedade na proteção integral infanto juvenil.

A mudança de postura da sociedade, impulsionado por este conjunto normativo, que sai de um campo exclusivamente passivo para uma conduta proativa na figura do Conselho Tutelar, pode ser considerada uma verdadeira e genuína revolução da moderna democracia brasileira.

Não à toa, o legislador quando definiu o Conselho Tutelar na Lei 8069/90, afirmou que: Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.

A expressão “encarregado pela sociedade” denota exatamente esta responsabilidade, este desejo de fazer  algo ativamente pela proteção integral de crianças e adolescentes.

Desde o início de sua criação, resistindo aos movimentos judicializantes da política da infância no Brasil, o Conselho Tutelar se constituiu como um capítulo de democracia brasileira, pois sua escolha é vontade soberana da sociedade e que, por ela, indicará seus representantes para a missão constitucional dada pelo artigo 227 da Carta Política de 1988.

Na data que comemoramos o dia do conselheiro e conselheira tutelar, estabelecido pela Lei nº 11.622, de 19 de dezembro de 2007 é importante reforçarmos as raízes históricas de sua criação e de seu compromisso com a democracia no Brasil.

Nesta toada, tem sido crescente a desnaturalização do processo de escolha dos conselheiros tutelares, numa evidente retomada da lógica menorista de tornar cada vez mais técnico e menos político (no sentido pleno e não eleitoral) com a definição de quem pode e deve ocupar a função de conselheiro tutelar.

A institucionalização desmedida de critérios técnicos para ocupação da função de conselheiro tutelar, arrematados com uma prova cada vez mais contornada com a lógica de concurso público, deixa sobrar evidências que o que se pretende é retomar a figura do extinto comissário de menores sob as vestes de conselheiro tutelar.

Evidentemente o que se espera são conselheiros e conselheiras tutelares cada vez mais aprimorados e compromissados com a função de proteger nossas crianças e adolescentes. Mas, isso não se dará com o abandono deliberado do elemento central da democracia participativa.

Envolver a comunidade e estimular a sociedade no processo de participação da escolha dos conselheiros e conselheiras tutelares, é premissa, elementar e questão de ordem fundamental na ordem do Estado democrático de Direito.

Estabelecer mecanismos de qualificação para função como a realização de “provas de seleção” é de natureza complementar e subsidiária,  não sendo tolerável sua prevalência por violação expressa do artigo 227 da Constituição de 1988 e do artigo 131 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90.

Num outro giro, importante ressaltarmos neste contexto comemorativo da data de 18 de novembro, dia do conselheiro e conselheira tutelar, a sua autonomia e independência funcional.

Pelo arquétipo normativo, o Conselho Tutelar não se situa no Sistema de Justiça. Logo, não deve subordinação, nem obediência aos seus integrantes e membros, como o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública.

A obediência estrita do Conselho Tutelar é com suas atribuições apontadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90 e com normas municipais que ditam sua operacionalidade e controle institucional. Sua relação com os órgãos dos Sistemas de Justiça  e de Segurança Pública dar-se-á por uma lógica da intersetorialidade, fundada na autonomia e independência de cada parte.

Nesta esteira interpretativa, importante frisar que as atribuições do conselheiro e conselheira tutelar encontram-se taxativamente dispostas na lei, mais precisamente no artigo 136 do ECA!

Conselheiro e conselheira tutelar não estão submetidos a ordens institucionais extravagantes fora deste rol taxativo, nem tampouco as orientações ou recomendações decorrentes de atos da Justiça, consolidados por portarias ou mesmo recomendações.

A crescente tentativa de submissão do Conselho Tutelar ao Sistema de Justiça constitui atentado à democracia brasileira, pois é resultado da retomada de uma política tutelar que vigeu no período anterior ao Estatuto da Criança e do Adolescente, sob o manto controvertido do menorismo.

Imperativo na atualidade a construção de uma estratégia de contra criminalização dos conselheiros tutelares em razão da resistência  que se impõe  nesta questão como premissa de defesa da democracia social de crianças e adolescentes.

Os processos criminais que são gerados contra conselheiros e conselheiras tutelares devem ser tratados como uma ação de interesse público, pois afeta diretamente a política  nacional de proteção dos  direitos das crianças e adolescentes.

In casu, temos o representante da sociedade, o conselheiro e Conselheira Tutelar, na condição de defensores de direitos humanos, neutralizado pela atuação distorcidas de  representantes  do sistema de Justiça.

Por fim, como uma terceira variante reflexiva na data de hoje, é indispensável enfrentarmos a necessidade de uma política nacional complementar de fortalecimento das condições sociais dos conselheiros e conselheiras tutelares, trabalhadores que exigem dignidade para o exercício de suas atribuições.

Está evidente que a precarização das condições de trabalho do conselheiro é resultado de uma orientação minimalista de Estado, no qual o poder público não prioriza seu principal ator social para proteção dos direitos humanos infanto-juvenis.

Conselheiros e conselheiras tutelares valorizados e qualificados no cumprimento de suas atribuições estatutárias implicará num aprimoramento contínuo das políticas públicas locais e isso deve ser considerado algo muito positivo.

É preciso mudar a lógica de que tal fato gera um ônus político e orçamentário  a municipalidade.

O que deve prevalecer é o sentido valorativo do Estado de Direito e de que os direitos sociais consagrados na lei  número 12.696/2012 para conselheiros e conselheiras tutelares refletem de forma positiva diretamente na política de proteção integral à criança e ao adolescente.

Conselho Tutelar com conselheiros e conselheiras valorizados, com autonomia, livremente escolhidos pela sociedade, constitui uma premissa da democracia e do Estado de Direito, um mínimo civilizatório em tempos de retomada na moderna democracia dos caminhos da liberdade e da igualdade social.

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Ação Social

No primeiro ano de governo, 24,4 milhões deixam de passar fome

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Insegurança alimentar e nutricional grave cai 11,4 pontos percentuais em 2023, numa projeção a partir de informações da Escala Brasileira de Segurança Alimentar (EBIA), divulgada pelo IBGE com base na PNAD Contínua

Cozinhas solidárias, programas de transferência de renda, retomada do crescimento e valorização do salário mínimo compõem a lista de ações que contribuem para a redução da fome no país. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

No Brasil, 24,4 milhões de pessoas deixaram a situação de fome em 2023. O número de pessoas que enfrentam a insegurança alimentar e nutricional grave passou de 33,1 milhões em 2022 (15,5% da população) para 8,7 milhões em 2023 (4,1%). Isso representa queda de 11,4 pontos percentuais numa projeção feita a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), divulgada nesta quinta-feira, 25 de abril, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O amplo conjunto de políticas e programas sociais reunidos no Plano Brasil Sem Fome, a retomada do crescimento da economia e a valorização do salário mínimo são alguns fatores que recolocam o país em lugar de destaque da agenda de combate à fome no mundo. Tirar o Brasil novamente do Mapa da Fome é do presidente Lula” Wellington Dias, ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome

Na coletiva de imprensa para divulgação do estudo, o ministro Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome), avaliou que o avanço é resultado do esforço federal em retomar e reestruturar políticas de redução da fome e da pobreza. “O amplo conjunto de políticas e programas sociais reunidos no Plano Brasil Sem Fome, a retomada do crescimento da economia e a valorização do salário mínimo são alguns fatores que recolocam o país em lugar de destaque da agenda de combate à fome no mundo. Tirar o Brasil novamente do Mapa da Fome é do presidente Lula”, disse.

Para o ministro, o grande desafio agora é incluir essas 8,7 milhões de pessoas que ainda estão em insegurança alimentar grave em políticas de transferência de renda e de acesso à alimentação. “Vamos fortalecer ainda mais a Busca Ativa”, completou Dias, em referência ao trabalho para identificar e incluir em programas sociais as pessoas que mais precisam.

PESQUISA — As informações divulgadas nesta quinta são referentes ao quarto trimestre do ano passado. Foram obtidas por meio do questionário da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA). O ministro lembrou que o governo passado não deu condições ao IBGE para realizar a pesquisa. Por isso, a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) aplicou o EBIA com metodologia similar à do IBGE em 2022, quando o Brasil enfrentava a pandemia de Covid-19 e um cenário de desmonte de políticas, agravado por inflação de alimentos, desemprego, endividamento e ausência de estratégias de proteção social. Esse estudo chegou ao número de 33,1 milhões de pessoas em segurança alimentar grave na época.

A secretária extraordinária de Combate à Pobreza e à Fome do MDS, Valéria Burity, lembra que mesmo em comparação aos resultados de 2018, último ano em que o IBGE fez o levantamento formal, os números apresentados nesta quinta são positivos. À época havia 4,6% de domicílios em insegurança alimentar grave. Agora são 4,1%, o segundo melhor resultado em toda a série histórica do EBIA.

“Estamos falando de mais de 20 milhões de pessoas que hoje conseguem acesso à alimentação e estão livres da fome. Esses resultados mostram o acerto de uma estratégia de enfrentamento à fome que vem sendo empreendida pelo governo, que é apoiada tanto em programas sociais como na condução de uma política econômica que gera crescimento econômico, reduz desigualdades e gera acesso a emprego e renda”.

Esses resultados mostram o acerto de uma estratégia de enfrentamento à fome que é apoiada tanto em programas sociais como na condução de uma política econômica que gera crescimento econômico, reduz desigualdades e gera acesso a emprego e renda” Valéria Burity, secretária extraordinária de Combate à Pobreza e à Fome do MDS 

Valéria também destacou como ponto importante da estratégia de combate à fome a retomada da governança de segurança alimentar pelo Governo Federal, com garantia de participação social. “O presidente Lula e o ministro Wellington foram responsáveis pela retomada do Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional, a restituição do Conselho de Segurança Alimentar e da Câmara de Segurança Alimentar, com 24 ministérios que têm a missão de articular políticas dessa área. E, no fim do ano passado, foi realizada a Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional”, relatou.

A secretária nacional de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do MDS, Letícia Bartholo, ressaltou o retorno da parceria do governo com o IBGE. “Depois do período da fila do osso, em que o Brasil viveu muita miséria e fome, uma das primeiras ações do MDS nessa nova gestão foi buscar o IBGE para retomar a parceria e medir a insegurança alimentar dos brasileiros”, recordou.

SUBINDO – A proporção de domicílios em segurança alimentar atingiu nível máximo em 2013, (77,4%), tempo em que o país deixou o Mapa da Fome, mas caiu em 2017-2018 (63,3%). Em 2023, subiu para 72,4%. “Após a tendência de aumento da segurança alimentar nos anos de 2004, 2009 e 2013, os dados obtidos em 2017-2018 foram marcados pela redução no predomínio de domicílios particulares que tinham acesso à alimentação adequada. Em 2023 aconteceu o contrário, ou seja, houve aumento da proporção de domicílios em segurança alimentar, assim como redução na proporção de todos os graus de insegurança alimentar”, explicou André Martins, analista da pesquisa.

 

Dados apontam a evolução da segurança alimentar no Brasil

 

NOVO BOLSA FAMÍLIA — Entre os fatores que contribuíram para o avanço apontado pela pesquisa do IBGE, está o novo Bolsa Família, lançado em março de 2023, que garante uma renda mínima de R$ 600 por domicílio. O programa incluiu em sua cesta o Benefício Primeira Infância, um adicional de R$ 150 por criança de zero a seis anos na composição familiar. O novo modelo, com foco na primeira infância, reduziu a 91,7% a pobreza nesta faixa etária. A nova versão do programa inclui, ainda, um adicional de R$ 50 para gestantes, mães em fase de amamentação e crianças de sete a 18 anos.

BPC – O ministro Wellington Dias também ressaltou a proteção social gerada pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC), que garante um salário mínimo para pessoas aposentadas, pensionistas e com deficiência em situação de vulnerabilidade social. “Vale mencionar que o efeito econômico da Previdência e do BPC foi potencializado pelo esforço administrativo de reduzir as filas de espera para acesso aos benefícios”, disse.

MERENDA – Outra política de combate à pobreza e à fome, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) garante refeições diárias a 40 milhões de estudantes da rede pública em todo o país e foi reajustado em 2023, após cinco anos sem aumento.

PAA – O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) é um dos 80 programas e ações que compõem a estratégia do Plano Brasil Sem Fome. Ele assegura produção e renda aos agricultores familiares, com compra direta dos produtos para serem distribuídos na rede socioassistencial, de saúde, educação e outros equipamentos públicos. Com a participação de 24 ministérios, o Plano cria instrumentos para promover a alimentação saudável contra diversas formas de má nutrição.

ECONOMIA – No cenário macroeconômico, houve um crescimento do PIB de 2,9% e o IPCA calculado para o grupo de alimentos caiu de 11,6% em 2022 para 1,03% em 2023. É a menor taxa desde 2017.  O mercado de trabalho ganhou força e a taxa de desemprego caiu de 9,6%, em 2022, para 7,8% no ano seguinte. A massa mensal de rendimento recebido de todos os trabalhadores alcançou R$ 295,6 bilhões, maior valor da série histórica da PNAD-C.

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