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Adolpho Lutz enfrentou epidemias de forma incansável

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Os olhos eram fixos no microscópio por dias inteiros, sem pausas. Mas ele não se contentava com a vida no laboratório. Visitava as ruas. Fazia autópsias em série para tentar entender mortes misteriosas de pessoas. Arrumava tempo para pesquisar vírus e bactérias coletados pessoalmente em expedições pelo interior, até mesmo nas matas ou lagoas.

Os dias eram longos para o médico e cientista brasileiro Adolpho Lutz, nascido em 18 de dezembro de 1855, e que viveu quase 85 anos (até 6 de outubro de 1940). Entre o final do século 19 e início do 20, ele esteve diante de um período de epidemias nos centros urbanos precários e nas áreas rurais: as populações encaravam doenças como febre amarela, malária, cólera, tifo, peste bubônica e hanseníase.

Adolfo Lutz no laboratórioAdolfo Lutz no laboratório

Adolfo Lutz (sentado) trabalha em laboratório – Foto: Instituto Oswaldo Cruz (IOC)

No Instituto Bacteriológico em São Paulo, onde Lutz foi diretor até 1908, o cientista foi fundamental na investigação das doenças infecciosas e também para as ações de saúde pública. Ele demonstrou no Brasil a teoria de norte-americanos de que a transmissão da febre amarela era feita por mosquitos (aedes aegypti). Depois de 1908, Adolpho Lutz se transfere para o Instituto Oswaldo Cruz. 

 “Lutz, por exemplo, encontra malária nas florestas, em mosquitos que se reproduziam na água de bromélias. A doença atingia trabalhadores de obras ferroviárias”, afirmou o historiador Jaime Benchimol, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em entrevista à Agência Brasil

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Os pesquisadores explicam que a formação de Lutz na Suíça, país de origem de sua família, ajuda a compreender suas influências e feitos. Depois de nascer no Brasil, ele foi para a terra dos pais e só voltou para o Brasil em 1881, já como médico formado.

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Conhecimento amplo

“Ele era muito versátil com qualificação em várias áreas da medicina experimental. Lutz tinha profundo conhecimento sobre as disciplinas biológicas e sobre o que estava despontando naquele período, que eram micróbios, parasitas, hospedeiros, tanto nos humanos como nos animais”, destaca o historiador.

Adolpho Lutz ainda enfrentou resistências de uma época que considerava que as doenças poderiam ser transmitidas, por exemplo, pelos gases da putrefação do ambiente (teoria miasmática). Os bacteriologistas derrubaram essa noção. Mas havia uma oposição da classe médica tradicional em relação às novidades que surgiam.

Jaime Benchimol foi um dos responsáveis pelo longo estudo sobre os trabalhos de Lutz. Ele é um dos pesquisadores que publicou a obra completa do cientista em 13 volumes, em um trabalho de mais de sete anos de coleta. A vice-diretora da Casa de Oswaldo Cruz, Magali Romero Sá, outra responsável pelo levantamento, defende maior visibilidade da vida e obra de Lutz para garantir o lugar devido para um dos principais cientistas da história do Brasil.

Foram mais de 300 trabalhos por Lutz, que desvendou doenças, apontou para evoluções da pesquisa e encaminhou formas de enfrentamentos. O cientista trabalhou até depois de ficar cego, nos últimos anos de vida. “Ele trabalhava com as incógnitas de forma incansável. Perseguia o que não se sabia. Depois que ele descobria, deixava a continuidade da pesquisa para os alunos”, afirma o pesquisador Pedro Federsoni Junior, que coordena o Museu do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo. 

Instituto Adolfo LutzInstituto Adolfo Lutz

Fachada do Instituto Adolfo Lutz – Foto: Governo do Estado de São Paulo

Outra investigação de vulto feita por Adolpho Lutz é sobre a hanseníase. O cientista chegou a visitar um leprosário famoso no Havaí e trazer os aprendizados para o Brasil.  

Trabalho em conjunto

“Eu entendo que nós estaríamos muito atrasados se não fossem cientistas como Adolpho Lutz, Emílio Ribas, Oswaldo Cruz, Vital Brasil“, afirma Federsoni. A pesquisadora Silvana Calixto, também bióloga e museóloga do Instituto Adolfo Lutz, considera que se tratou de uma geração de cientistas arrojados, que não se contentaram em ficar atrás de um microscópio monocular da época.

 “Eles iam a campo. Eles viajavam atrás dos focos da doença. Faziam análise do ambiente. Graças a eles, a febre amarela chegou a ser erradicada”, reitera a cientista que também cuida do Museu do Instituto Adolfo Lutz.

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Essa geração de bacteriologistas foi responsável, por exemplo, por minimizar os danos da chegada da peste bubônica no Brasil. Ao lado de médicos como Bonilha de Toledo e Arthur Mendonça, Lutz (que era o diretor do Instituto Bacteriológico) e o amigo Vital Brazil estreitaram laços e compartilharam conhecimento.

Desde o início de 1899, havia notícia que a peste poderia chegar ao Brasil pelo Porto de Santos. Por lá,  chegavam mercadorias e também imigrantes. Assim que foi constatada a peste em outubro, Lutz foi para Santos e se juntou na trincheira contra a doença. “Esse episódio em Santos foi uma das mais importantes batalhas que travaram juntos. Foi controlada a doença a partir do diagnóstico e isolamento de pessoas contaminadas. São Paulo foi um exemplo desse controle”, diz o pesquisador Érico Vital Brazil, coordenador de divulgação científica do instituto que leva o nome de seu renomado avô. 

Érico leva em conta que esses cientistas tinham comportamento heroico de ir para a frente de combate às epidemias. “(Lutz) era uma pessoa eclética, com amplitude de atenção, preocupado em formar novos médicos e grande paixão pelo estudo”.

Ações preventivas, segundo o pesquisador, diminuíram a transmissão da peste bubônica, em um dos casos raros bem sucedidos no mundo. Foram 33 mortes no país em decorrência da doença. O pesquisador explica que eles levantaram uma bandeira de um conhecimento revolucionário. “Uma geração de cientistas que relacionou contextos como a pobreza e a falta de infraestrutura com o avanço de doenças. Eram pesquisadores que colaboraram muito entre si e que foram reconhecidos em todo o mundo”, afirma o pesquisador. O número de mortes por falta de higiene foi um grave problema da época.

Personalidade de Lutz

Segundo os pesquisadores, Lutz tinha personalidade introspectiva e um humor sarcástico. Segundo o historiador Jaime Benchimol, ele não tinha paciência para o trato político, fazer acordos, como ocorria com Emílio Ribas. “Diferente do cientista de hoje, que é especializado em determinado segmento, Lutz tinha um olhar abrangente e uma capacidade de se especializar em diferentes áreas”. De acordo com Magali Romero Sá, a filha do cientista, a bióloga Bertha Lutz (1894-1976), que ficou conhecida pela luta feminista, tinha também uma personalidade semelhante. Para Silvana Calixto, do Instituto Adolfo Lutz, inclusive, a melhor definição do cientista veio da filha Bertha: “meu pai era médico de profissão e um naturalista de coração”. 

Por outro lado, Lutz era atencioso com pacientes. “Tratava os hansenianos, por exemplo, com o maior carinho. A grande preocupação dele, tanto no Havaí quanto em um leprosário no Rio de Janeiro, era tratar essas pessoas com humanidade”, diz Silvana Calixto. Lutz tinha ainda comportamento antirracista em uma época de escravidão e também pós-abolição. De acordo com o pesquisador Pedro Federsoni Junior, Lutz, quando era chamado para atender pessoas escravizadas, exigia que os pacientes estivessem em camas com cobertas. “Outro fato relevante é que, em 1935, Adolpho Lutz foi receber um prêmio nos Estados Unidos e descobriu que se tratava de um evento com atitudes racistas. Ele foi acompanhado pelo assistente, Joaquim Venâncio, que era negro, a quem não foi permitido o ingresso. Lutz falou que só ficaria se o amigo e parceiro de trabalho permanecesse”. 

Essa parceria foi firme até o final da vida. Venâncio levava Lutz, sem visão, até a lagoa para buscar animais, principalmente anfíbios, para pesquisa e descrevia para o cientista os aspectos dos bichos. Ouviam o coaxar dos sapos e avaliavam juntos se aquela espécie serviria. O legado de uma vida incansável  e longeva foi e deve ser, segundo os pesquisadores, motivo de inspiração para os cientistas que vieram depois. Foi assim que os olhos do cientista nunca se fecharam. 

Edição: Nathália Mendes

Fonte: EBC Saúde

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Saúde estadual alerta: vacinas evitam internações e mortes

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Secretaria de Saúde relata aumento de internações e mortes por dengue e influenza, principalmente entre idosos e crianças

Doenças como dengue e influenza em Goiás têm provocado aumento de diagnósticos e internações, com mais mortes. Desde o início do ano, já foram registrados mais de 150 óbitos por dengue. Já a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag) resultou em 179 óbitos, principalmente entre crianças menores de 2 anos (16 mortes), e idosos com 60 anos. Dentre as principais causas, pode estar a baixa cobertura vacinal para dengue e Influenza.

A grande preocupação da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO), no momento, é com a alteração da sazonalidade da dengue e doenças respiratórias, como a influenza, com as mudanças climáticas, que já começam neste mês. Segundo a superintendente de Vigilância em Saúde, Flúvia Amorim, o histórico de Srag mostra aumento de casos neste período, quando começam as inversões térmicas. “É nesta época que começam a circular os vírus respiratórios, de forma mais intensa”, explica.

Flúvia Amorim chama a atenção, principalmente, para os extremos das faixas etárias, que são crianças e idosos, as principais vítimas de doenças respiratórias. “Para essas pessoas, o quadro pode ser muito grave. Por isso, não deixem de se vacinar”, orienta. “Se você faz parte de algum dos grupos prioritários, procure rapidamente o posto de vacinação”, continua Flúvia, para lembrar que, embora haja vacina disponível contra a influenza em todos os postos de vacinação dos 246 municípios, apenas 20,82% do público-alvo (grupos prioritários) buscaram o imunizante. Já em relação a Covid-19, a cobertura vacinal está em 20,82%. “A vacina demora dez dias para fazer efeito. Então, quanto mais rápido se vacinar, mais rápido a pessoa estará protegida”, avisa.

A Superintendente de Regulação, Controle e Avaliação da SES, Amanda Limongi, também reforça a importância da vacinação. “É o meio mais eficaz de prevenir internações, tanto de dengue quanto de Síndromes Respiratórias Agudas Graves”, afirma, ao confirmar que o “encontro” de casos de dengue e doenças respiratórias tem demandado mais internações em Goiás.

Ela faz um apelo também à população dos municípios que ainda dispõem de vacinas contra a dengue. “Dos 246 municípios goianos, 155 ‘zeraram’ seus estoques, mas ainda faltam 10 mil doses a serem aplicadas”, explica. A superintendente se refere ao restante das 158,5 mil doses recebidas do Ministério da Saúde e que vão vencer em 30 de abril, mesmo com a ampliação da idade para pessoas de 4 a 59 anos. Essa ampliação vale apenas para esses lotes do imunizante. Para a próxima, já está definido o retorno das idades de 10 a 14 anos, para o público-alvo.

Fotos: Iron Braz / Secretaria de Estado da Saúde – Governo de Goiás

 

 

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